Já é de madrugada, mas a Ana está por aqui. Isso, por sinal, é muito comum para freelancers. Quantos clientes chegam de sopetão, oferecem um serviço de um dia pro outro, que exige que fiquemos acordados a madruga inteira? Esse é um dos dilemas do trabalhador autônomo: nós nunca sabemos o dia de amanhã, então sempre estamos inclinados a aceitar trabalhos hoje, não importa que horas sejam. Então, se o cliente sabe que estamos sempre à disposição, não vai se aproveitar disso para pedir sempre o menor prazo possível? Afinal, vai ter sempre algum autônomo desesperado por aí esperando pra tomar nosso freelas. Todos nós já fomos esse autônomo um dia, desesperado por dinheiro, pra poder pagar a parcela do carro, o aluguel ou a prestação daquele computador novo do qual a gente precisa, justamente para poder trabalhar. No entanto, a nossa ética deve falar mais alto: o preço deve ser compatível com a qualidade do trabalho que você faz. Vou explicar melhor.
Se você trabalha nas coxas, correndo e entrega de qualquer jeito, meu filho, cobre quanto quiser. Com certeza, não vou ficar de cabelos brancos me preocupando em perder jobs para você. Porque, se o cliente receber um trabalho mal feito e ficar insatisfeito, ele vai vir até mim com uma proposta melhor do que a que ele pagou para você. E sabe por quê? VALOR AGREGADO. Não estou dizendo que você deve cobrar muito, mas também não pode cobrar pouco demais, pelo simples motivo de concorrência desleal. É por isso que muitos funcionários de anos e anos de carreira são demitidos e largados na rua da amargura: porque tem sempre alguém no mercado de trabalho disposto a trabalhar por menos do que você. Estagiários, desempregados em situações difíceis… Já basta concorrermos uns com os outros pelo nosso talento, por nossas qualificações. Se tivermos que brigar feito loja de eletro-eletrônico, estamos todos ferrados e vamos viver a base de migalhas.
É preciso saber quanto vale o seu trabalho. E esse valor só você pode dizer. Um conselho que eu normalmente dou a colegas que querem entrar no mercado de freelas é dar uma olhada em tabelas de preços por aí e buscar chegar a um valor competitivo. Há quem pense que autônomos devem cobrar menos do que empresas, porque temos menos contas a pagar. Não alugamos escritório, não temos secretária, copeira, essas coisas. Por outro lado, autônomos não têm uma carta de clientes tão vasta quanto uma empresa (com escritório, secretária e copeira) – nem garantia de renda fixa. Ou seja, justamente o que encarece a proposta de ter uma empresa é o que agrega valor ao trabalho que será realizado por ela. O cliente paga mais pela imagem que a marca passa, pela experiência de ir a um escritório bem decorado, tomar Nespresso e ser atendido por uma recepcionista poliglota. Então, o autônomo precisa se esforçar ao máximo para agregar valor de outras formas, em vez de simplesmente jogar o preço lá no chão. Até porque, se você cobra pouco, precisa trabalhar muito mais para pagar suas contas. E, se trabalhar demais, sua saúde vai pro bagaço. Junto com a qualidade do seu trabalho. Sacou? Anota as dicas da tia então:
- monte uma tabela de preços só sua, para servir de referência. você não é obrigado a cobrar exatamente o que está ali – afinal, você é autônomo e não tem que dar satisfação a ninguém, além do banco!
- sempre busque motivos para dar descontos – sem prejudicar suas finanças! dê descontos a clientes novos, a clientes fiéis, faça preços melhores em épocas em que você está com a agenda mais vazia ou em épocas de crise econômica. isso atrai novos clientes e fideliza os que você já tem.
- ofereça brindes junto com o seu trabalho. eu, por exemplo, que trabalho com traduções e revisões, normalmente faço a diagramação do trabalho de graça. e, como eu sou perfeccionista, a minha diagramação vale ouro!
- seja cordial e acessível. esse é um grande diferencial do autônomo: nós não estamos presos a horários comerciais. então, tenha um carinho especial por clientes que ofereçam trabalhos para você num sábado ou domingo. mesmo que isso signifique ter que gravar o jogo de futebol para você ver depois.
- ajuste sua tabela de preços de acordo com sua disponibilidade. se você não quer ter que gravar o jogo de futebol, aceite trabalhos no fim de semana, mas cobre mais caro nesses dias. isso vai compensar pelo seu sacrifício de perder a “pelada” ao vivo na TV e, ao mesmo tempo, não vai fazer você perder o cliente para algum outro profissional que prefira beisebol.
Uma outra coisa muito importante é equiparar o seu trabalho de autônomo ao trabalho de profissionais de carteira assinada. Exemplo? Taxistas. Se fossem funcionários de carteira assinada, ganhariam 13º, certo? Mas não são. Então, compensam cobrando bandeira 2 durante todo o mês de dezembro, para servir como um 13º salário. Você deve fazer isso também. Se tivesse carteira assinada, pararia de trabalhar às 18h e tiraria os fins de semana de folga. Portanto, se um cliente oferecer um serviço que obrigue você a virar noites, cobre “hora extra” assim como você cobraria se você um funcionário em regime de CLT. E essa hora extra se chama “taxa de urgência”. Mas essa eu vou deixar pro próximo post. Fiquem ligados! 😉
Moral do post de hoje: se todos cobrarmos o valor do nosso trabalho, em vez de cobrarmos pechincha pensando em roubar clientes dos outros (ou não perder os nossos), todos vamos ganhar mais. Literalmente! E se, para isso, você precisa cobrar mais caro do que está cobrando atualmente, como que isso pode ser ruim? Todo mundo sai ganhando. Seja um bom precificador – porque é bom para você, pro cliente e pro mercado no geral.
Até o próximo post! <3
Referências úteis:
- tabela de preços do SINTRA para traduções, interpretação de conferências e afins
- artigo muito divertido “existe tabela de preços para tradução?“